|Crítica| 'As Aventuras de Uma Francesa na Coréia' (2025) - Dir. Hong Sang-soo
Crítica por Victor Russo.
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'As Aventuras de Uma Francesa na Coréia' / Pandora Filmes
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Hong Sang-soo vê o cinema como um fluxo constante de encontros, e a incapacidade de ser traduzido
Com mais um longa premiado no Festival de Berlim, de novo em um ano com mais de um filme lançado, Hong Sang-soo retoma a parceria com Isabelle Huppert, agora a levando para a Coreia do Sul e explorando as impossibilidades da comunicação. A francesa começa a dar aulas de francês para os coreanos, tendo o inglês como a mediação entre as duas línguas e os sentidos e sentimentos que se perdem nessas traduções, incluindo a dificuldade de expressar o que sente em uma língua que não seja a sua de nascimento. Claro que, como sempre, Sang-soo parte desse espaço de simplicidade, de poucos planos e personagens muitas vezes estáticos dentro do quadro, aqui com uma definição de filme caseiro e os seus tradicionais zoom in, mas está sempre traçando um paralelo com o cinema, sobretudo comentando o seu próprio fazer cinematográfico.
Não à toa, o inglês surge como essa língua dominante, esse lugar de conhecimento de todas as pessoas, como o controlador e influente poder do cinema hollywoodiano, que atinge o mundo todo. Ao mesmo tempo, se todos entendem e até tentam se expressar naquele idioma, fica claro que não há uma identificação, assim como o cinema americano cria uma universalização de temas, arquétipos, narrativas e personagens, mas quase nunca conversa com a realidade material vivida pelos cidadãos em outros cantos do mundo.
Huppert surge como essa personagem ambígua, que controla o que vemos praticamente o tempo todo, ou seja, alguém para ser olhada pelo público, mas é também quem dita as ações dos demais, levando-os a reagir e responder, mesmo contra a vontade ou capacidade deles. É uma agente forasteira que se coloca em uma posição de controle perante a incomunicabilidade, ao invés de ser o alvo dessa dificuldade de comunicação, já que está em solo coreano e todos os diálogos são com pessoas nascidas ali.
A impossibilidade de se entender nos sentimentos e pensamentos mais profundos faz quase sempre com que esses personagens recorram à arte, como o se expressar por meio de um instrumento tocado ou lendo uma poesia. Mais uma vez, a protagonista se transforma em uma barreira provocativa, aqui com Sang-Soo materializando nela essa reflexão um tanto satírica a uma necessidade, em grande medida ocidental, por racionalizar a arte, ao invés de se deixar levar e sentir por ela.
É justamente nessas cenas que o longa melhor reflete a incomunicabilidade no mundo, a tentativa não de entender o outro pela cultura dele, mas por um equilíbrio meio frouxo (o inglês) ou mesmo o esforço em traduzir o intraduzível para a sua própria cultura. O mais curioso é que quando o cineasta faz isso com a língua, gera até alguma graça e compreendemos a dificuldade dos personagens em se expressar ou explicar significados locais que não fazem tanto sentido para um europeu e menos ainda teriam uma tradução literal aproximada para o inglês básico de todos os presentes.
Entretanto, é só quando Huppert pede para as personagens explicarem o que sentiam enquanto tocavam que percebemos por completo o que Sang-soo atinge aqui. Mais do que uma provocação, vira uma espécie de atestado, uma verdadeira desmaterialização de significado frente a um sentimento profundo. Quando indagadas de novo, personagens diferentes vão cair nas mesmas respostas simplórias, mas não porque elas são rasas, e, sim, pois a pergunta em si não faz nenhum sentido. É uma pena que ainda não percebemos isso ao lidar com cinema, mesmo depois de mais de 120 anos de história dessa arte. Se nos deixamos levar pela música ou pela poesia, por que seguimos reduzindo filmes não a sua linguagem e capacidade de comunicação por meio de sensações inexplicáveis, mas pela obsessão de entendermos tudo?