Português (Brasil)

|Crítica| 'A Mais Preciosa das Cargas' (2025) - Dir. Michel Hazanavicius

|Crítica| 'A Mais Preciosa das Cargas' (2025) - Dir. Michel Hazanavicius

Crítica por Victor Russo.

Compartilhe este conteúdo:

 

'A Mais Preciosa das Cargas' / Paris Filmes

 

Título Original: La Plus Précieuse des Marchandises (França)
Ano: 2025
Diretor: Michel Hazanavicius
Elenco: Dominique Blanc, Grégory Gadebois, Denis Podalydès e Jean-Louis Trintignant.
Duração: 80 min.
Nota: 3,0/5,0
 

Michel Hazanavicius diminui os diálogos frente à trilha sonora de Alexandre Desplat e à imagem, dando alguma motivação a uma história um tanto protocolar

Diretor francês que teve seu momento de estrelato mundial ao vencer o Oscar com o mediano e divisivo O Artista, Michel Hazanavicius nunca foi conhecido pela sutileza, sempre marcando com vigor suas referências, muitas vezes não passando de um pastiche ou uma idolatria um pouco tola do que veio antes. A Mais Preciosa das Cargas talvez seja o seu trabalho que melhor lide com essa mão pesada do cineasta, ainda que inserções manipulativas por horas nos façam lembrar das fragilidades de seu cinema, como quando para o filme para expor a pintura dos rostos dos judeus que perderam a vida no Holocausto. São mais deslizes do que uma definição da obra, já que essa se utiliza de artifícios muito mais interessantes e potentes para emocionar o público. Inclusive, a escolha por narrar essa história a partir da animação fortalece e permite com que muitos desses artifícios ganhem novo valor.

Ainda que os traços não apresentem nenhum caráter de inovação, há um acabamento detalhado o suficiente para criar essa mise en scène pessimista e opressiva, carregada de contra-luz, fumaça e tons amarronzados, ponto central para essa combinação entre o afeto e o desespero. A história, que acompanha um bebê atirado pela mãe de um trem indo em direção a Auschwitz, seguindo então a mulher de um lenhador que encontra o recém-nascido e cuida dele ao lado do marido, que primeiro tenta rejeitar a função, mas depois se afeiçoa a essa “carga” (o termo ganha um valor simbólico e complexo bem interessante na obra), escondendo a criança das “autoridades” que ocupam a região, pouco tem de diferente de tantos outros filmes sobre o período. Hazanavicius inclusive faz questão de imprimir alguns dos principais clichês do cinema, como o bruto que tem seu coração amolecido e se apaixona pelo serzinho que primeiro havia rejeitado. A cena inclusive que o lenhador escuta o coração batendo na árvore é mais uma dessas manipulações melodramáticas mais evidentes do diretor.

Se tudo ainda funciona é justamente porque Hazanavicius faz a obviedade da história ganhar tons mais autorais ao rejeitar uma contação estritamente por diálogos (que existem, mas não são muitos), deixando assim a obra se narrar pela potente e sempre presente trilha sonora musical de Alexandre Desplat, e principalmente por essa composição desenhada e fluída da animação. Por mais que esse estilo não precise se justificar para existir, ou seja, um longa pode ser feito em live-action ou animação sem precisar atestar o porquê da escolha, A Mais Preciosa das Cargas tem nos desenhos uma possibilidade de encenação que provavelmente não funcionaria com atores, sobretudo pelo tempo dado por cada um dos planos e acontecimentos, feitos com calma, alongados, captando uma certa poesia dolorosa que ganha ares contraditórios, uma violência que paira sobre o ar em um desenho muitas vezes um tanto lúdico.

É uma pena que o filme perca o foco constantemente, às vezes soando como um curta-metragem alongado que teve de preencher o tempo (ainda que curto, já que tem apenas 80 minutos) com novos acontecimentos que nem sempre se ligam ao todo. Não à toa, sempre que o longa tenta retratar o holocausto visualmente cai em um lugar meio manipulativo da dor, não funcionando, diferente de quando utiliza aquele cenário como um pano de fundo já enraízado em nossa mente para mostrar a relação da criança com a sua mãe de criação e todo o amor e conflito presente nessa união e em seu entorno. É a diferença entre o poder do melodrama e a manipulação mais simplória, comparação que pode ser percebida em como os trens são representados nesses dois momentos, tendo muito mais impacto como um simbolismo do que ao colocar um corpo de um judeu estirado nos trilhos.

Compartilhe este conteúdo: