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|Crítica| 'Tendaberry' (2025) - Dir. Haley Elizabeth Anderson

|Crítica| 'Tendaberry' (2025) - Dir. Haley Elizabeth Anderson

Crítica por Victor Russo.

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'Tendaberry' / MUBI

 

Título Original: Tendaberry (EUA)
Ano: 2025
Diretora: Haley Elizabeth Anderson
Elenco: Kota Johan, Yuri Pleskun, Stella Tompkins, Erika Kutalia e Megan Lee Dejesus.
Duração: 117 min.
Nota: 2,0/5,0

 

Em seu primeiro longa-metragem, assim como quase todo o elenco, Haley Elizabeth Anderson confunde realismo poético com falta de foco e um amontoado de vícios do cinema independente novaiorquino

Dakota (Kota Johan) namora Yuri (Yuri Pleskum), um imigrante ucraniano que vive com ela em Coney Island, localizada no Brooklyn e famosa por seu parque de diversões, até que esse recebe um chamado e volta para o seu país de origem, que acabara de entrar em Guerra após a invasão russa. Posteriormente, descobrimos que Dakota também vem de uma família de imigrantes, haitianos e dominicanos. Se a Guerra da Ucrânia e o sonho americano frustrado, sobretudo por parte dos imigrantes, já parecem surgir como os temas centrais, dois dos assuntos mais vigentes no cinema e nas premiações americanas atuais (como vimos no último vencedor do Oscar e nos dois ganhadores anteriores na categoria de Melhor Documentário na mesma premiação), una isso à típica narrativa do jovem tentando se descobrir sozinho, esbarrando por diversas interações no caminho, enquanto tenta pagar aluguel, pula de um trabalho para o outro, sofre uma série de abusos, retornando à sua família só para perceber que não pertence mais àquele ambiente. Não para por aí, a história é contada em quatro partes, sendo essas as quatro estações do ano. Quer mais? Então tem Kota narrando em voice over a importância de Coney Island, esse lugar com o qual se identifica, ama e odeia, mas parece fazer parte dali para sempre, usando como referências vídeos em super 8 de um homem que gravou, décadas atrás, a sua vida no lugar. E, claro, os personagens têm os mesmos nomes dos atores reais, quase como se vivessem uma versão deles mesmos, ao mesmo tempo que a narrativa se desenha como um espelho daqueles vídeos em super 8, mas agora retratando outra pessoa, em outra fase da vida, mas naquele mesmo lugar.

Nenhum desses elementos que compõem o todo é um problema por si só. Muito pelo contrário, o cinema independente novaiorquino se utilizou de grande parte deles em sua história, dando resultado a grandes obras, além de aqui os temas serem bastante atuais e a escolha de diferentes formatos (combinado ao filme em si e aos registros em super 8, há também as conversas por Zoom entre Kota e Yuri) poderia criar uma narrativa bastante rica e interessada em falar sobre a técnica cinematográfica. Na prática, em Tendaberry, não há realmente muito interesse por cinema, e nem por arte em geral (inclusive o fato da personagem vender sua música de forma bastante autônoma, cantando no metrô por alguns trocados, pouco impacto tem na narrativa e é rapidamente esquecido). Resta apenas um amontoado de vícios em um filme sem muito foco.

Claro que a narrativa de personagens jovens se descobrindo se vale muito desse acaso típico do realismo, tendo nas escolhas de Haley Elizabeth Anderson, estreante em longa-metragem, uma busca por criar uma poesia (ainda que com recursos meio baratos, como a narração constante da personagem, quase sempre falando sobre Coney Island). É comum a força dessas obras estar presente em cada um dos encontros, as pessoas que passam pela vida da protagonista e somem para nunca mais voltar, mas deixando uma marca significativa na personagem mesmo que o contato tenha sido bastante breve. Só que Haley tem dificuldade em tornar essas interações, em sua maioria, verdadeiramente significativas. Mais do que isso, há uma ânsia em falar sobre muitas coisas no processo sem dar conta de nenhuma em sua completude (o caso mais claro são os comentários de fundo sobre a Guerra da Ucrânia, que vão sendo jogados para lembrar a personagem do namorado, mas na verdade há uma tentativa meio rasa de reforçar os horrores do conflito). 

Entretanto, mais do que a falta de foco, o filme sofre da falta de vontade de fazer cinema para além do conforto. Todas as escolhas de Haley são extremamente programadas, como se ela tivesse vivido assistindo esse cinema independente novaiorquino e desejasse simplesmente replicá-lo em cada plano. Perceba como ela mal constroi uma mise en scéne, mas usa à exaustão uma câmera próxima dos personagens, sem muita iluminação e extremamente tremida, em que pouco propõe e mal nos permite conhecer a personagem e aquela cidade que ela tanto comenta visualmente. Essa forma de decupar a cena parece só existir mesmo porque já virou um clichê, quase um manual replicável de como fazer um filme para ter a cara de independente, algo que é reproduzido até hoje aos montes por cineastas, quase sempre inexperientes, que querem rejeitar uma lógica mais trabalhada da imagem, ou seja, soar como filme de pouco orçamento. Então, a obra que tanto parece se valer do acaso do real para existir, no fim, faz tudo soar falso e protocolar, não funcionando nem como realismo, nem como poesia, e muito menos como um impulso de fazer cinema.

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