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|Crítica| 'Sempre Garotas' (2025) - Dir. Shuchi Talati

|Crítica| 'Sempre Garotas' (2025) - Dir. Shuchi Talati

Crítica por Victor Russo.

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'Sempre Garotas' / Filmes do Estação

 

Título Original: Girls Will Be Girls (Índia)
Ano: 2025
Diretora: Shuchi Talati
Elenco: Preeti Panigrahi, Kani Kusruti, Kesav Binoy Kiron, Kajol Chugh e Devika Shahani.
Duração: 119 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Shuchi Talati evita os estereótipos e respostas fáceis em uma relação direta entre mise en scéne e debates de gênero

Em era de redes sociais, cada vez mais os filmes com um discurso claro e um objetivo temático soam quase como fios de Twitter. Uma noção de que o cinema se torna veículo não por suas possibilidades para com a linguagem dessa arte e a capacidade de gerar reações no espectador, e muito menos pela preocupação com a narrativa em questão. Fazer filmes cada vez menos é um exercício estético, quase tudo se resume a uma percepção (que vem desde a proliferação das câmeras digitais e se acentua com as redes sociais) de que é “cool” (talvez “descolado” seria a tradução mais próxima, mas sem a mesma força) fazer filmes. Mais do que isso, uma ânsia histórica por representar realidades e temas urgentes agora tem se transformado em uma padronização da narrativa, obras feitas primeiro e só porque são “importantes”. A tendência, nesses casos, que vão desde filmes que inundam os festivais até os longas de maior orçamento dos estúdios hollywoodianos, é a simplificação do debate, a rejeição ao contraditório e uma limpeza de discurso, como frases repetidas diariamente na internet. Shuchi Talati não cai nessas simplificações para propor um debate sobre as mulheres na Índia.

Os conflitos, que vão desde as instituições, aqui na figura da escola, até o domicílio, passando pelos garotos e garotas que transitam nesse meio do caminho, não são isentos de estereótipos, como a diretora rígida e conservadora e os adolescentes babacas e violentos, mas se solidificam a partir de três personagens-pilares bastante complexos, consistentes e abertos ao mesmo tempo. Trata-se da protagonista, Mira (Preeti Panigrahi), sua mãe Anila (Kani Kusruti) e o interesse amoroso da garota, Sri (Kesav Binoy Kiron), um jovem meio enigmático que já rodou o mundo e agora chega na cidade. Os ecos de Pier Paolo Pasolini e o seu Teorema são bastante presentes em Sri e em toda a construção de Sempre Garotas.

Mira é o nosso ponto de vista, nosso lugar de identificação, uma jovem de 16 anos que começa a descobrir novos interesses e vontades sexuais a partir do contato com Sri, entrando em conflito consigo mesma e a rigidez que sempre dominou sua vida. Ao mesmo tempo, Anila projeta na filha e na relação dela com o namorado a liberdade que nunca teve, alimentando uma espécie de rivalidade feminina, uma mistura de inveja e ciúme, só que sem nunca deixar de amar a filha e querer realmente protegê-la. Já Sri é a única figura masculina com personalidade e desenvolvimento, enquanto os outros garotos nunca saem desse lugar do estereótipo do bully e o pai de Mira mal aparece, sendo uma figura um tanto ausente, assim como os pais de Sri, que só ouvimos falar sobre pela boca do garoto, fazendo-nos questionar o que é real sobre eles. Se Mira tem sentimentos mais claros e Anila mais ambíguos, Sri é um verdadeiro enigma. Poderia ele amar a garota, ter um carinho pela mãe dela, e ainda assim manipular as duas? Ou estaria ele apenas usando elas e todos os demais? Quais são os seus reais objetivos?

São essas perguntas em aberto entre a relação dos três personagens centrais que enriquecem o debate por meio de dúvidas. Cabe ao público e à crítica expandir as possibilidades dessas relações, ainda que a opressão às mulheres seja bastante evidente, sobretudo no espaço institucional, reforçado por uma mise en scéne sempre focada em Mira (e desfocando o entorno), assim como os olhares de julgamentos constantes à sua volta. Se o conflito final, a revanche dos garotos, parece uma simplificação meio boba de roteiro (ainda que sufocante o suficiente), apenas para unir mãe e filha novamente ao final e colocar ainda mais em dúvida as intenções de Sri, no geral, Talati se sai muito bem nessa construção de conflitos e sensações, sobretudo naquilo que envolve a autodescoberta do tesão por parte da jovem garota e como isso implica cada uma de suas decisões. É um filme sólido o suficiente em suas escolhas de estilo, mas principalmente maduro para entender que os melhores debates são os que fogem do manual de certo e errado.

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